Venezuela: a saúde de Chávez e a luta interna pelo poder
Consta em Caracas que o irmão mais velho do Presidente Hugo Chávez, Adan Chávez, está a preparar-se para tomar as rédeas do Poder, enquanto o Chefe de Estado continua a recuperar de um estado de saúde alegadamente muito melindroso. Jogando nas divisões entre diferentes facções do regime e na ameaça pendente de ascensão ao Poder de uma milícia armada, o Presidente tem utilizado todas estas tendências para se manter à tona de água e com pleno controlo da situação. Enquanto permanecer hospitalizado em Cuba, essas facções podem começar a posicionar-se para tentarem assumir o domínio da situação, muito embora um insuficiente respaldo popular poderá constituir um empecilho real para um eventual golpe de estado.
Com efeito, circulam boatos que Adan Chávez, irmão mais velho do Presidente e Governador de Barinas, o estado natal do Chefe de Estado, está a posicionar-se para assumir o Poder e a continuidade do regime, enquanto Chávez recupera das intervenções cirúrgicas a que foi submetido em Cuba.
Adan Chávez chamou a atenção quando, durante uma prece colectiva em Barinas em prol das melhoras da saúde do presidente, citou o revolucionário latino-americano Ernesto “Che” Guevara, afirmando: “Seria indesculpável limitarmo-nos apenas ao aspecto eleitoral e não contemplarmos outras formas de luta, incluindo a luta armada”. Por outras palavras, Adan Chávez está a lembrar os apoiantes do presidente que pegar em armas pode ser a solução para manter o poder (e o regime) caso as eleições se revelem a este respeito insuficientes. Para bom entendedor…
Chávez foi hospitalizado em 10 de Junho em Cuba tendo sido submetido a uma primeira intervenção cirúrgica para extracção de um abcesso na região pélvica, todavia surgiram complicações suplementares com um traumatismo num joelho que afectou o presidente quando fazia jogging em Maio. Não obstante, segundo algumas fontes, o presidente terá sido submetido a uma primeira intervenção em Maio, quando inesperadamente cancelou uma visita oficial ao Brasil. Embora a razão oficial para o adiamento da visita tenha sido o traumatismo no joelho, as mesmas fontes adiantam que se tratava de um tumor na próstata, provavelmente maligno. Um mês depois o Presidente sentiu dores agudas no abdómen quando efectuava visitas ao Equador e ao Brasil. Foi então que decidiu ir para Cuba, onde a respectiva equipa médica descobriu que o tumor se tinha espalhado pela região pélvica.
Tanto quanto se sabe depois da sua segunda cirurgia em 10 de Junho último, Chávez tem sido fortemente medicado e foi acometido de dores muito intensas. Isto explica a razão pela qual o Presidente, que tanto gosta de contactar e interagir com os meios de comunicação social, tenha decidido afastar-se das câmaras nos últimos 20 dias. Para além de uma mensagem que passou no Twitter anunciando que as suas filha, ex-mulher e netos o iam visitar a Havana, a única intervenção televisiva consistiu numa entrevista (apenas em aúdio) na cadeia Telesur, sediada em Caracas, a 12 do corrente venezuelana, na qual pretendeu sossegar os observadores e os seus concidadãos que recuperaria rapidamente e que, dentro em breve, regressaria à Venezuela. Hugo Chávez também apareceu em 4 fotografias com os irmãos Castros publicadas no jornal oficial cubano “Granma” e no sítio Web Cubadebate em que aparece num quarto de hospital. Hoje, as televisões de todo o mundo divulgaram a imagem do presidente bem disposto e com a extroversão de sempre a conversar animadamente com “El comandante” em Havana.
Consta que o Presidente pretende regressar a Caracas a 5 de Julho, a tempo de celebrar o segundo centenário da independência do país e participar no desfile militar, o que para Chávez seria de importância capital. Sem prejuízo das equipas médicas considerarem que o Chefe de Estado venezuelano não corre, por ora, perigo de vida, não aconselham a que regresse rapidamente a Caracas.
A prolongada ausência do Presidente está muito naturalmente a suscitar toda uma série de rumores nos meios afectos ao regime e no seio das forças armadas relativamente a supostos golpes contra o líder venezuelano. Para já são detectáveis rupturas visíveis no próprio regime. Em primeiro lugar, está Adan Chávez, que mantém uma relação muito próxima com o presidente e que foi um dos primeiros a visitar Chávez no hospital em Cuba. Adan tornou-se governador do estado de Barinas em 2008 – um cargo que foi anteriormente ocupado pelo seu pai – e foi também embaixador em Cuba. Com efeito, o irmão do presidente é um dos principais obreiros da aproximação Cuba-Venezuela, como meio de evitar possíveis dissensões e mudanças de rumo do regime. Todavia, Adan, muito embora beneficie da confiança do presidente, teria dificuldade em constituir uma ampla base social de apoio.
Depois, está o Vice-presidente Elias Jaua, que o Chefe de Estado evitou que assumisse interinamente as funções presidenciais durante a sua ausência. Ideologicamente, Jaua pertence à linha “dura” chavista que preconiza uma maior aproximação a Cuba, obtendo apoios principalmente do estado de Miranda, mas conta com inúmeros focos de resistência principalmente nos meios militares.
Do outro lado da linha de fractura, está o número dois do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) e vice-presidente do leste do país, Diosdado Cabello, antigo chefe de gabinete de Chávez e vice-presidente. Cabello conta com o apoio do General Henry Rangel Silva, Ministro da Defesa e ex-chefe do Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas Venezuelanas. O Director da Intelligence Militar Hugo Carvajal e Rámon Rodríguez Chacín, antigo Ministro do Interior e da Justiça e principal elemento de ligação com as FARC da Colombia também estão no campo de Cabello. Esta facção beneficia de um apoio substancial dentro das Forças Armadas e manifesta-se receosa de uma significativa presença no establishment militar e no sistema de informações (concebido em larga medida para controlar os dissidentes do regime). Este grupo tem estado muito envolvido no tráfico de droga e nos esquemas de lavagem de dinheiro locais que enfraqueceram inúmeras empresas estatais venezuelanas. No meio deste cocktail bizarro encontra-se o Ministro da Electricidade, Ali Rodríguez, um ex-Ministro da Energia e ex-Ministro das Finanças, antigo presidente da poderosíssima Petroleos de Venezuela (PDVSA) e um “histórico” apoiante incondicional do regime. Rodríguez e o actual presidente da da PVDSA Rafael Ramirez estão entre os membros da nomenklatura que querem operar tão autonomamente quanto possível e são já demasiado pujantes para o gosto – e, sublinhe-se bem o termo, para o conforto - do Presidente da República.
Pelo desígnio deste, nenhum pessoa individualmente considerada, atento o intrincado labirinto da vida politica e da sociedade castrense venezuelana, poderá ascender ao Poder e aí se manter, sem uma luta muito dura e de grandes proporções com as diferentes facções. Hugo Chávez poderá olhar para o seu irmão mais velho ou para aliados ideológicos, como Jaua, para o substituírem, mas, aparentemente, nenhum deles detém o carisma ou a complexa rede de dependências que o Presidente criou ao longo de 11 anos e que o têm mantido no Poder. Além disso, quem quer que tente uma intervenção no governo a expensas do Presidente terá de confrontar-se com a Milícia Nacional Bolivariana – um tropa fandanga composta por trabalhadores e gente das classes populares da Venezuela, que muito embora não disponha de grandes aptidões preparação é motivada pela ideologia chavista e pode mobilizar as massas em apoio ao presidente, complicando por conseguinte qualquer tentativa de golpe de estado. Esta é uma lição que Hugo Chávez compreende perfeitamente, porque o seu golpe falhado em 1992 e o golpe dos seus rivais de 2002, igualmente falhado, fracassaram em parte por falta de apoio popular.
Os militares têm, de algum modo, tentado controlar a Milícia, exigindo especificamente controlo sobre os arsenais e paióis que poderiam ser utilizados pelos milicianos. Contudo, o presidente e os membros proeminentes do regime, como Jaua têm trabalhado cuidadosamente para consolidar a autonomia da milícia em detrimento das Forças Armadas e não é claro o respectivo envolvimento em armar a Milícia (trata-se de uma área de claros-escuros). É plausível que Adan Chávez conte com os seus laços familiares e o seu compromisso ideológico de longa data com o marxismo e fervor chavista dos milicianos para emergir perante a elite militar do país, se o seu irmão lhe pedir para avançar.
Chávez criou múltiplas camadas de isolamento à volta do respectivo “trono” propulsando a competição entre as diferentes facções no seu núcleo duro, dividindo a oposição e armando os cidadãos em apoio do regime, caso os militares sejam tentados a levar a cabo um pronunciamento ou qualquer outro movimento militar de força. Dito isto, o presidente venezuelano também não estava propriamente à espera que surgissem complicações acrescidas com o respectivo estado de saúde que lhe cerceassem a acção. Muito embora exista a possibilidade real de um retorno em força, quanto mais tempo permanecer fora do palco (entenda-se, no estrangeiro), tanto lhe será mais difícil controlar esta longa luta pelo poder dentro do regime e, last but not least, suscitar-se-ão novas incertezas sobre o futuro politico da Venezuela nos mercados energéticos.
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