Crise sistémica global – Outono de 2011 – O aguardado estoiro dos EUA (2/2)
O mecanismo do detonador das dívidas públicas europeias
Os operadores financeiros anglo-saxões decidiram desempenhar o papel, não só de sábios conselheiros, mas, principalmente, de aprendizes de feiticeiros isto há cerca de ano e meio, a julgar, por exemplo, pelos primeiros títulos do Financial Times em Dezembro de 2009 sobre a crise grega convertida rapidamente numa suposta « crise do Euro». Não vale a pena perdermos muito tempo com os diferentes episódios desta telenovela imaginada (um exemplo típico e bem concertado de manipulação da informação), que pelos vistos continua, orquestrada que está pela City de Londres e por Wall Street. Entretanto, e apesar de tudo, o Euro continua a valorizar-se em relação ao dólar, mantendo-se a uma mais que saudável paridade (1 Euro=1,435 USD). As agências de rating anglo-saxónicas alertam para o descarrilar da dívida soberana europeia, mas, contraditória e cinicamente, recomendam que os EUA criem um ainda maior buraco financeiro aumentando de 14 para 17 biliões de USD o “tecto” do endividamento externo de Washington. Todos os que apostaram no colapso da zona Euro devem seguramente ter perdido já muito, mas muito dinheiro.
Como já se tinha oportunamente antecipado, a crise irá favorecer o aparecimento de um novo soberano – a Eurolândia -, que irá permitir à Eurozona estar melhor preparada, que os EUA, Reino Unido e Japão - para o inevitável choque do próximo Outono, ainda que lhe caiba o ingrato papel de detonador, o que não será propriamente do seu agrado. O « bombardeamento » (dos media e dos peritos anglo-saxões, porque têm de se chamar os bois pelos nomes) à Eurozona foi interrompido durante algumas semanas porque resultou em 3 importantes consequências, duas delas bem longe dos resultados aguardados por Wall Street e pela City, a saber:
1. Num primeiro momento, (Dezembro de 2009 a Maio de 2010), fez desaparecer o sentimento de invulnerabilidade da divisa europeia tal como se tinha constituído em 2007/2008, suscitando a dúvida sobre a respectiva sustentabilidade e sobretudo relativizando a ideia de que o Euro era a alternativa natural ao USD (ou seja, inclusive o seu sucessor natural).
2. Logo, num segundo tempo (Junho de 2010 a Março de 2011), obrigou os dirigentes da Eurolândia a implementar « muito rapidamente » todas as medidas de salvaguarda, de protecção e de fortalecimento da moeda única (medidas que deveriam ter tomado há já muitos anos). Ao fazê-lo, revitalizarão a integração europeia, repondo o projecto europeu ao núcleo fundador e marginalizando o Reino Unido. Entretanto, estimulou-se o apoio cada vez mais sustentado da moeda europeia por parte dos BRICS, principalmente da China, que após um momento de flutuação se consciencializou de duas coisas fundamentais: por um lado, que os europeus actuavam seriamente para confrontar os problemas; e por outro, tendo em conta o encarniçamento anglo-saxónico, que o Euro era sem sombra de dúvidas um instrumento essencial para qualquer tentativa de saída do «mundo do dólar».
3. Por último, actualmente (Abril de 2011 a Setembro de 2011), a Eurozona propõe-se orientar (ou se se quiser, “forçar”) os sacrossantos investidores privados para que contribuam na resolução do problema grego, quer por haircuts, quer muito particularmente pela via das dilações «voluntárias » dos prazos de reembolso (ou qualquer outra fórmula de redução dos benefícios esperados – é melhor perder alguma coisa, a perder tudo).
Como se pode imaginar, se o primeiro impacto era um dos objectivos prosseguidos por Wall Street e pela City (além de, muito naturalmente, desviar a atenção dos grandes problemas reais do Reino Unido e dos Estados Unidos), os dois restantes traduzem-se em efeitos totalmente contrários ao objectivo inicial: debilitar o Euro e reduzir o seu atractivo mundial.
Além disso, prepara-se a quarta sequência que terá, em princípio, lugar em 2012, ou seja: o lançamento de um mecanismo de Eurobonds, para distribuir quer uma parte das emissões de dívidas dos países da Eurolândia, como a inevitável pressão política que é cada vez maior, na medida em que aumenta a participação contributiva privada neste vasto processo de reestruturação da dívida dos países periféricos da Eurozona .
Com esta quarta sequência, entramos no coração do processo de contágio que facilitará a explosão da bomba da dívida federal dos Estados Unidos. Por um lado, criando um contexto mundial mediático e financeiro ultra-sensível no que toca aos problemas de dívida pública; Wall Street e a City tornaram visível a amplitude insustentável dos défices públicos norte-americano, britânico e japonês. O que até obrigou as agências de rating, os fiéis cães de guarda de ambas as praças financeiras, que se lançassem numa corrida louca de degradações das classificações dos Estados. É por esta razão que os EUA se encontram, sob ameaça, aliás perfeitamente previsível de desqualificação, o que se afigurava altamente improvável à maioria dos peritos há apenas alguns meses. E paralelamente o Reino Unido, a França, Japão, … também voltam a estar na mira das agências.
Recordemos que as agencias de notação, apesar de toda a fama de que gozam, jamais previram algo que fosse realmente importante (nem a crise do subprime, nem a crise mundial, nem a crise grega, nem a Primavera árabe...). A futurologia não é pois o seu forte. Se degradam a seu bel prazer é porque são forçadas a fazê-lo pelo seu próprio jogo. Por outras palavras, não é possível degradar mais A, sem tocar na classificação de B, se B não está em melhor situação. As “suposições” de que tal ou tal Estado deixe de pagar a sua dívida não resistiram a 3 anos de crise: e foi aqui mesmo que Wall Street e a City caíram na armadilha que recai sobre todos os aprendizes de feiticeiros. Com efeito, não perceberam minimamente que lhes seria impossível controlar a histeria, mantendo-a circunscrita à dívida grega (registe-se que a esta é, no fundo, uma brincadeira de crianças ao pé da dívida dos EUA – com efeito são 300 mil milhões contra 15 biliões, ou seja uma relação de 1 para 50!). É assim que hoje o Congresso norte-americano, com o violento debate sobre o tecto da dívida e os grandes cortes orçamentais , que se desenvolvem as consequências dos artigos manipuladores destes últimos meses sobre a Grécia, Portugal, a Irlanda e a Eurozona. Uma vez mais, só se pode insistir num ponto e num ponto apenas: se a História tem algum sentido é inegavelmente o sentido da ironia.
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