terça-feira, março 09, 2010

Sempre actual (ou atual) - Este e-mail que transcrevo recebi-o por diversas vezes, há vários meses, através dos amigos que tenho por terras lusas, não deixa porém de ser muito actual (ou atual) e portanto dou-o a conhecer ao meu nucleozinho de leitores assíduos que são capazes de o não ter ainda lido.


Cem anos depois do fim da Monarquia, já se pode dar por provado que o problema não era o rei e o seu poder moderador, mas sim os cidadãos burgueses auto-destrutivos e sem auto-estima: agora a massa popular é a mesma, passando apenas de analfabeta a iliterata, e com os mesmos ovos só se podem fazer as mesmas omelettes:

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que
um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação,
da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, abso lu tamente inverosímeis no Limoeiro.

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador; e este, finalmente,
tornado abso lu to pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
Guerra Junqueiro, 1896.

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