domingo, março 13, 2011

Protesto da "geração à rasca" num país rasca


Pelas notícias a que tive acesso, a mega-manif. terá sido um sucesso. Rima e aparentemente é verdade. Não terão estado 300.000 pessoas em todas as cidades do país, como afirmam os organizadores/motivadores/animadores, mas, sem dúvida alguma, muitas dezenas de milhares de manifestantes, sobretudo em Lisboa e Porto – a este respeito, as fotos e os vídeos são eloquentes. Pelos relatos que me chegaram, terão estado umas 60 a 70.000 pessoas em Lisboa e umas 30 a 40.000 no Porto, o que bem feitas as contas, sem exageros, é muito bom, excedendo largamente as expectativas inicias, mesmo as mais optimistas.
De acordo com as notícias que me chegam, a  manif. possuiu duas outras características importantes e que contrariam algumas das minhas teses anteriormente expostas (reconheço-o, sem complexos, não me chamo José Sócrates Pinto de Sousa, nem sou político): (i) foi intergeneracional; (ii) a temida “colagem” dos partidos e das forças politicas não terá resultado inteiramente (mas há que acautelar o futuro e, nesta matéria, os perigos são mais que muitos).
Com efeito disse, aqui, mesmo, neste blogue, que se tratava “de uma manifestação de uma geração, portanto de um grupo social identificado e específico, e não da sociedade portuguesa no seu todo – por conseguinte, era uma manifestação circunscrita”. Não bem foi assim, na medida em que a participação se revelou mais abrangente do que se pensava, todavia o grosso da coluna foi constituído pelos jovens da dita “geração à rasca.” Essa participação inclusiva de outros sectores da nossa sociedade explica-se, creio eu, principalmente pelo cansaço, pelo desencanto e pela irritação e pelo sentimento revolta permanente em que vivemos todos. Como escrevi em post anterior e esta asserção afigura-se-me bem verdadeira: Vivemos num país rasca e em que quase todos vivem à rasca. Esta é que é a verdade dos factos e todos nós sabemos disso.”
Foi, pois, esta a razão primordial para várias gerações se terem congregado  nas praças das nossas principais cidades numa rejeição unânime da situação em que vivemos e da classe política que a tal nos conduziu.
Outros factores terão contribuído para essa participação expressiva de vários sectores e gerações da sociedade portuguesa: antes do mais, o desastrado e surpreendente anúncio de mais medidas de austeridade na véspera, i.e. na 6ª feira de manhã, o que terá induzido uma dinâmica de mobilização acrescida sobretudo por parte das geralções menos jovens; a solidariedade com os jovens, a curiosidade e a novidade do fenómeno, a ânsia de mudança e a divulgação enorme que a manif. beneficiou nos meios de comunicação electrónicos e convencionais (no fundo factores que, de um modo ou de outro, acabam por estar inscritos na razão principal  ou que dela derivam).
Pena foi que os organizadores/motivadores/animadores tivessem definido a manif. como o fizeram. Se a tivessem aberto, à partida, irrestritamente, à participação de toda a sociedade, não teriam surgido as dúvidas que surgiram e que o Facebook e outros meios deram eco, porque eram as dúvidas de muito boa gente, incluindo o autor destas linhas. É certo que a “geração à rasca” era o sector-alvo, mas, repito-o, mais uma vez, é todo um pais rasca que está e continua a estar à rasca.
Por outro lado, a “colagem” dos partidos e de certas figuras e forças politicas foi tentada. Foi, de certo modo, detectável (ou seja, visível e audível, ma non troppo), sem embargo houve o bom senso (excepto no pequeno grupo da extrema-direita), de não aparecerem com as bandeiras e as palavras de ordem dos mandatários da partidocracia. Ainda bem. Também aqui me enganei. Dou a mão à palmatória. Resta saber qual será o aproveitamento político posterior deste imenso descontentamento popular, sabendo-se que PCP, BE, extrema-direita, Presidente da República e mesmo alguns sectores dos principais partidos, directa ou indirectamente,  apoiaram o comício.

Resta adivinhar-se o que se segue. Em post anterior referimos, com a devida ênfase o seguinte: “Atingimos uma encruzilhada a que o Poder político (leia-se, toda a classe política conhecida, sem excepções), que dispõe de pouca (ou nenhuma) credibilidade, é incapaz de responder. A questão principal é o próprio regime. É este que está em causa e sem qualquer possibilidade de redenção.”
Se o movimento se esgotou em 12 de Março, para pouco ou nada serviu e daqui a meia-dúzia de dias ninguém se lembrará do que se passou (aliás, o próprio Governo está muito mais preocupado com a greve das empresas de camionagem do que com a “geração à rasca”). Se, pelo contrário, o movimento pretende avançar por novas vias e por novas formas de luta, tem de organizar-se e preparar-se para o combate no terreno (protestar por protestar, já se ouviu, mas não chega). Ora, como o dissemos, isto pode ser o fervilhar, o cozinhar em lume brando de uma nova situação, mas por esta via atabalhoada e meio-anárquica não se chega lá. Alem disso, os oportunistas de meia-tijela vão tentar tirar o maior proveito possível da situação. Existem riscos sérios se nos armamos em aprendizes de feiticeiros.
Quanto aos Sábios governantes que temos, o  aviso à navegação está dado. Desconhece-se em rigor o que é que o poder político conta fazer. Provavelmente coisa alguma. Como já é habitual, espera que a tempestade passe e depois logo se vê. Mas também as coisas podem evoluir de modo diverso. 
Os passos seguintes podem consistir (o elenco de acções é meramente indicativo):
num movimento estruturado de contestação ao regime 
-    na moralização da vida política;
-       no combate à corrupção, ao nepotismo, ao clientelismo, ao poder dos lóbis;
-       no fim do despesismo do Estado, no seu emagrecimento consequente e na sua gestão rigorosa;
-       na redução drástica do sector empresarial do Estado
-       no termo definitivo dos políticos-gestores
-       na participação dos movimentos cívicos e das organizações de base no processo político
-       no fim da partidocracia, como a conhecemos;
-       na responsabilização dos deputados e de todos os corpos eleitos perante o eleitorado nacional e local (p. ex., ninguém poderá representar Viana do Castelo no parlamento e não ser responsável perante os vianenses);
-       na meritocracia, provida de regras transparentes e consequentes;
-       na criação de um grande movimento popular que congregue todas estas acções e outras tidas por adequadas, visando implantar a III República.

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