terça-feira, março 29, 2011

Geração à Rasca (Mia Couto)

O escritor moçambicano Mia Couto, escreveu o texto que se segue que está a ter larga difusão na Net e que me chegou às mãos recentemente, faço-o acompanhar de um breve comentário anónimo, mas certeiro, creio que já publicado num blogue da Tugalândia que igualmente recebi.
Passo a transcrever:
“Um dia, isto tinha de acontecer.Existe uma geração à rasca?Existe mais do que uma! Certamente!Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numaabastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhesas agruras da vida.Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidarcom frustrações.A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e tambémestão) à rasca são os que mais tiveram tudo.Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infânciae na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seusjovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos. 

Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, aminha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos)vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiramnos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem delesa geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhesderam uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais dediversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustívelcheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando asexpectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuoupresente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer omelhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantasvezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual nãohavia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenadocom que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes. 

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... Avaquinha emagreceu, feneceu, secou. 

Foi então que os pais ficaram à rasca.Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchemPavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas ondenão se entra à borla nem se consome fiado.Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuara pagar restaurante aos filhos, num país onde  uma festa deaniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada apais.São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água eda luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para queos filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade,nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração. 

São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a terde dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, eque por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têmdireitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas,porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem,querem o que já ninguém lhes pode dar! 

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelomenos duas décadas. 

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito porescolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe naproporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com queo país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, poiscorrespondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidadeoperacional.Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar emsítio nenhum. Uma geração que tem acesso a  informação sem que issosignifique que é informada; uma geração dotada de trôpegascompetências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada pornão poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geraçãoque deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade quequeimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal adiferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do queeste, num tempo em que nem um nem outro abundam.Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundocomo mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como asfoi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco nãolhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir demontada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre odesespero alheio. 


Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade einteligência nesta geração?
Claro que há.
Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam noretrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, enem  são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, comotodos nós).Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamadospudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalhambem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultadosacadémicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromosque só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e,oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e asubir na vida. 

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dosnossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugaresa que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar noque ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecidae indevidamente?!!! 

Novos e velhos, todos estamos à rasca.Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firmeconvicção de que a culpa não é deles.A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nemfazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, ea sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.Haverá mais triste prova do nosso falhanço?Pode ser que tudo isto não passe de alarmismo, de um exagero meu, deuma generalização injusta.Pode ser que nada/ninguém seja assim.
 Mia Couto”


Comentários:

"Será que isto é assim?
NÃO, NÃO É ISTO MESMO!
Não estou minimamente de acordo. Não me parece que minimizar ou, mesmo, escamotear um problema real e pungente da nossa sociedade conduza aonde quer que seja. Haverá, certamente, muitos jovens da chamada geração à rasca, da qual não faço parte, diga-se de passagem (estou à rasca, como a maioria dos portugueses,  mas por outras razões), que se inscrevem no segmento dos privilegiados e que beneficiaram de todas as benesses e de todas as mordomias, mas a esmagadora maioria não. Todos sabemos que isso é verdade.
Quando mais de um quarto de milhão de pessoas de todas as idades e condições sociais vem para a rua berrar em incomensuráveis decibéis que está farta desta trampa e que está à rasca, bem pode meter Mia Couto o dedo da escrita no cú e chupá-lo para ver a que sabem as suas ideias e pregações de merda.
Mas porque carga de água é que um moçambicano nos vem pregar lições de moral? Ele que se preocupe com os problemas que tem na sua terra e que não são poucos do que vir hipocritamente com a sua croniqueta presunçosa  dar-nos conselhos, que dispensamos, como eles, moçambicanos, independentes que são, dispensam, certamente, os nossos.
O que a geração à rasca e todos os enrascados deste país - quase 10 milhões  de lusitanos de boa cêpa - querem é uma verdadeira mudança, mudar de sistema e de regime político, fazer a verdadeira revolução que ainda não chegou, pôr termo à corrupção, ao compadrio e ao nepotismo, acabar com a minha geração e com a seguinte que irresponsavelmente, isso, sim - reconheço-o, sem complexos -, conduziram o país ao poço sem fundo em que se encontra.
Queremos de facto outra coisa, queremos que a voz da cidadania se faça ouvir, que os sentimentos genuínos dos que sofrem se façam sentir, mas para tal não precisamos de lições de moral dos estrangeiros, ainda se tivessem algum dinheiro para acudir às nossas depauperadas bolsas, mas, como bem sabemos, no caso vertente, nem isso.     Então, calem-se, de vez. "

 Com uma ou outra ressalva, subscrevo quase na íntegra o comentário supra. 
Se o país está à rasca quem é que não está à rasca?

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1 comentário:

Anónimo disse...

É perigoso olhar para uma árvore e ver a floresta!