terça-feira, maio 18, 2010

Construção da Europa e egoísmo nacionalista 5/5


Existirá uma  identidade europeia?

Durante os 18 anos de prosperidade, ou seja entre 1990 e 2008 (o ano da grande crise financeira), a questão da identidade europeia e da identidade nacional não foi suscitado. Ser europeu era, então, perfeitamente compatível com a circunstância de se ser grego. Em suma, a  prosperidade significava, no fundo,  a inexistência de opções alternativas. Em contrapartida, numa época de incertezas e de crise económica, as escolhas têm forçosamente de ser sopesadas e decididas, entre os interesses da Alemanha e os interesses da Grécia, uma vez que não coincidem. O que sucedeu foi que não estávamos perante uma solução europeia, mas uma série de ponderações e cálculos nacionais baseados em interesses meramente egoístas (voltamos à velha citação de Delors: A União não é, hoje, mais que um mero somatório de egoísmos nacionais”http://pipiroom.blogspot.com/search?updated-max=2010-05-06T11%3A04%3A00-04%3A00)
Tratava-se, pois, de uma negociação pura e simples entre países estrangeiros e não de uma solução europeia, derivada organicamente de um destino uno, commumente partilhado e como  tal assumido.
Nesta ordem de ideias, a Europa seria uma mera abstracção enquanto que o estado-nação era algo de real, de tangível, de concreto.
É óbvio que este problema já havia sido previamente detectado, não na área económico-financeira, mas na da politica externa e da defesa. A este respeito, o caso simplesmente  vergonhoso da Bósnia-Herzegovina – e por extensão de toda a ex-Jugoslávia - é paradigmático: os interesses alemães, franceses e britânicos (para não falar de outros) não só se desencontraram, mas dispararam em todas as direcções, obrigando os EUA a intervir militarmente, num problema estritamente do foro europeu e prima facie da responsabilidade exclusiva da Europa.
Com efeito, a famosa PESD (Política Europeia de Segurança e  Defesa) nunca passou de uma ficção e de meras intenções no papel, discutidas opacamente nas salas de Bruxelas.
Sejamos tão claros quanto possível, em termos de politica externa, Portugal prossegue interesses em áreas específicas que nada têm que ver com os da Polónia. A politica do Reino Unido distingue-se quando não se opõe frontalmente aos interesses da França. Isto são factos indesmentíveis. Em termos conjunturais, as posições podem pontualmente convergir, mas trata-se de  meras convergências circunstanciais e que não correspondem  a qualquer onda de fundo, nem a algo de estruturado.
Diferentemente da economia, a politica exterior e a guerra, porque têm que ver com a soberania, são o terreno em que as nações experimentam os maiores riscos e sacrifícios. Nenhuma nação europeia está mentalizada e preparada para abandonar a respectiva soberania nacional nestas áreas, ou seja subordinar as respectivas forças armadas ao comando de um pretenso Governo europeu, nem sequer cooperar em matérias de defesa, excepto se forem do seu próprio interesse.
O arrastar de pés e a má vontade dos europeus em transferir soberania em matérias de politica externa e de defesa ao Parlamento Europeu e ao recém-nomeado Presidente  Europeu é, porventura, o sinal mais claro que os europeus não conseguem conciliar a identidade europeia com as identidades nacionais. No fundo do seu íntimo, todos os europeus sabem que chegada a hora da verdade, a nação assume uma importância que a Europa não tem, nem pode ter.
Esta percepção, sob pressão da crise, emergiu, igualmente, na economia. Ao menor sinal de perigo, o destino de cada um está com o seu país (a comunidade de destino).
A experiência europeia teve a sua origem  como reacção ao ultranacionalismo da primeira metade do século XX e tinha como principal intenção a resolução do problema da guerra na Europa, designadamente entre a Alemanha e a França, mas não só. Em abono da verdade, em pequena (grande) nota de roda-pé, deve referir-se que a Aliança Atlântica e o guarda-chuva nuclear norte-americano é que permitiu, primeiro, a existência da C.E.E. e da sua sucessora a  actual U.E. Sem embargo do que fica dito, o problema do nacionalismo é que não só é mais resistente que a solução, mas deriva de pulsões profundas que nos vêem da época das Luzes, ou seja do século XVIII.
A ideia de democracia e de auto-determinação nacional nasceram como parte do mesmo sistema único. Ao retirar a auto-determinação nacional, a experiência europeia parece ameaçar as próprias fundações da Europa moderna.
Existe um outro impulso por detrás de ideia de Europa. A maioria das nações europeias, individualmente consideradas, eram nalguns casos, quando muito,  poderes regionais incapazes de operar numa dimensão global. Por conseguinte, eram inevitavelmente mais débeis que os EUA. Todavia, conjecturava-se que  a  Europa unida e coesa não só seria capaz de operar globalmente mas poderia rivalizar com  os próprios EUA, como potência, entenda-se. Se os estados-nações da Europa já não possuíam grande peso a título individual, a  Europa como um todo, podia tê-lo. Implantada na ideia de Europa, em particular na peculiar visão gaulista, prevaleceu sempre a noção de que o nosso continente como um todo, politica e economicamente coerente, era susceptível de ocupar o lugar que perdeu no decurso das duas guerras mundiais do século XX e que tiveram lugar no seu próprio solo.
É evidente que isto não vai suceder. Apesar de todos os protestos em contrário, não existe uma política externa e de defesa comum, nenhum exército europeu, nenhum comandante-chefe europeu. Não existe sequer uma politica bancária, fiscal ou orçamental comum (o que, como se sabe,  está bem no cerne da actual crise). A Europa não irá contrabalançar os EUA porque no final os europeus não possuem uma visão comum da Europa, um interesse comum no mundo ou, sequer, uma confiança mútua entre os diferentes parceiros e, last but not least,  menos ainda qualquer concepção comum e congruente quanto ao modo como se poderá contrabalançar a dita  influência dos EUA e o que é que isso pode significar em concreto. Cada nação quer controlar o seu próprio destino e não ser levada ao ultranacionalismo da Alemanha das décadas de 30 ou de 40 ou à indiferença ao nacionalismo patenteada pelo império Habsburgo. Os europeus gostam das suas nações e querem retê-las. Em suma, a nação é o que eles conhecem e o que são. Não há saltos no desconhecido.
Isso significa que a visão que têm da crise da Europa mediterrânica é vista numa óptica nacional em oposição a uma perspectiva europeia. Quer os que se encontram em risco, quer os que podem ajudar calculam as suas estratégias não como europeus, mas como gregos ou alemães. A questão é simples: uma vez que a Europa nunca  se reconheceu em termos de identidade e uma vez que a crise económica sobreleva o interesse nacional bem acima do interesse europeu, onde é que esta situação nos conduz?
A U.E. é uma associação – quando muito uma aliança – mas não é um estado transnacional. Existiu, efectivamente a ideia de criar um tal estado (utópico), mas a ideia fracassou, há uns tempos, e não se afigura que possa vir a ser ressuscitada. Como aliança, está-se perante um sistema de relações entre estados soberanos, que participam nesse projecto, na justa medida dos seus próprios interesses, ou não participam quando tal não lhes agrada.
No fim de contas, aprendemos que a Europa não é, nem pode ser um país ou algo que se lhe assemelhe. É uma região e nesta região existem nações e estas nações integram povos unidos por uma história e destinos  comuns. As outras nações da Europa podem suscitar problemas a estes povos, mas feitas as contas, não partilham nem de um compromisso moral de qualquer espécie, nem de uma comunidade de destino.
Isto significa em claro que o nacionalismo e a história não estão mortos na Europa, longe disso. Em conclusão, a Europa é a Europa e a sua história não pode descartada como obsoleta e menos ainda subestimada.

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