Subsídios (ou abonos) de representação 2/2 – O novo sistema, apesar dos seus defeitos, vinha em grande parte pôr termo ao sistema iníquo vigente até então, mas carecia de ser revisto e com a passagem do tempo, começava a tornar-se claro que não podia continuar sem alterações.
Sucede que os postos em Espanha em 1992 ou 93, não estou bem certo do ano exacto, foram, sem qualquer razão objectiva, discriminados positivamente, a título extraordinário, pelo então DG Pessoal (não, não vou citar nomes), que, com base no precedente citado no post anterior da meia-dúzia de postos que beneficiavam de um bónus suplementar, convenceu o MNE da época, João de Deus Pinheiro e o Ministro das Finanças do bem fundado dos seus argumentos (que não sei quais foram). O referenciado tinha praticamente "no bolso" Madrid, razão por que havia mexido nos subsídios para os postos em Espanha, mas eis senão quando aparece em cena Durão Barroso, o sucessor de Pinheiro e o dito Director-geral cai em desgraça e não segue para a capital espanhola. Saíram-lhe as contas trocadas. Azar!
Todavia, o mal estava feito. A grande entorse tinha-se consumado. O sistema apresentava uma disfuncionalidade insanável.
Abra-se aqui um parênteses para se referir que qualquer Director-geral do 4º andar, independentemente das designações e avatares por que passa o cargo, possui um poder imenso. E esse poder só é verdadeiramente eficaz e apetecível, desde que possa manipular a seu bel-prazer, entre outros aspectos, a massinha que vai para o seu bolso e para os colegas (razão pela qual é preferível que a administração do MNE esteja entregue a gente de fora). Com o sistema sumariamente descrito, esse poder reduz-se consideravelmente, então há que pensar-se na melhor forma de o tornear. Como? (i) Não permitindo a revisão (e isso é fácil, porque o argumento dos eventuais custos financeiros é sempre bem acolhido pelo poder político, ignaro nestas matérias e patenteando um temor reverencial ao MF); (ii) invocando o precedente para beneficiar mais uma ou outra situações pontuais que nem sequer são globalmente muito onerosas, nem têm qualquer peso no orçamento.
Surge então em cena um Secretário-geral adjunto (não vou mais uma vez citar nomes) que congemina toda uma revisão do sistema baseado em cálculos complexos e em fórmulas saídas da sua mente delirante, cujo resultado foi uma cagada das antigas. Não se atendeu a manifestas diferenças de custo de vida entre postos, a dificuldades de certos destinos, a tabelas fiáveis e de agências reconhecidas e com créditos firmados, enveredando-se pela via surrealista dos “cômputos imaginativos”, eufemismo para a cagada. Lembro-me de postos com distinções perfeitamente identificáveis com diferenças de 40 euros em relação a outros. Esqueci-me de dizer, entretanto passa-se da concessão dos abonos em dólares para euros. Um processo que ainda durou algum tempo.
Em resumo, mexeu-se e remexeu-se em tudo durante meses para que as coisas ficassem praticamente como estavam e em que os subsídios registaram variações mínimas e totalmente incompreensíveis. Praticamente, não se tocou em Madrid e nos demais postos de Espanha, na altura 4 (Barcelona, Sevilha, Bilbau e Vigo). O perigosíssimo e retorcido Martins da Cruz, que naquela casa tinha aparentemente uma agenda pessoal não deixou que mexessem nos abonos dos postos de Espanha, quando para lá foi e depois como Ministro, idem, idem, aspas, aspas.
Um outro Secretário-geral, que percebia tanto de gestão como eu de um lagar de azeite, encomenda a uma agência exterior um estudo sobre as representações que passaria a ser a Bíblia, o Talmude e o Corão, tudo ao mesmo tempo, dos abonos. Nunca soube o que continha o relatório da dita agência. Era então segredo de estado. Se alguém lhe passou os olhos por cima, diga qualquer coisa que eu publico.
Salvo erro, há mais uma outra revisão pontual, ulterior, cuja data, porém, não me ocorre, mas que, mais uma vez, não tocou no essencial. Tudo como dantes, Quartel-general em Abrantes.
Depois, na nossa terra, como toda a gente sabe, as coisas, como é habitual, funcionam por inércia. Não há revisões, nem frequentes, nem infrequentes, o que interessa, sobretudo, é não mexer, não vá o diabo tecê-las. E em época de crise, menos ainda, uma vez que correm rumores de que os cortes estão já aí na primeira curva do caminho e que a representação (ou parte dela) terá de ser devidamente justificada, com recibos ou documentos comprovativos. Rumores, sim, mas parece que há algum fundamento em tudo isto.
Para acabar e para que todos os que me lêem se riam um bocado, registo que de há uns anos a esta parte, o Secretário-geral (o que por lá anda, o anterior e o ante-anterior e mais não sei quem) obriga os funcionários diplomáticos a apresentarem umas contas fantasiosas das respectivas despesas de representação. Como dizia Lavoisier: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. E entramos na sublime via da transformação. “Vamos pôr aqui este almocinho em família, como uma recepção para 200 pessoas para comemorar o 5 de Outubro”. Que grande metamorfose! Essas justificações não têm obviamente qualquer valor probatório e até nos choca o amadorismo da própria exigência. Não provam, pois, rigorosamente coisa alguma e podem dar origem a toda e qualquer aldrabice de grande coturno que a Inspecção Geral Diplomática e Consular não verifica, nem tem intenção de verificar.
Quando estivermos em Kinshasa e for obrigatório justificar 1/3 ou um ¼ da representação, chama-se um dos locais e criativamente por meia-dúzia de tostões a justificação aparece, com selos, carimbos, assinaturas e tudo.
Para finalizar, apesar das tradições do meu passado já um pouco longínquo e da definição explícita e pública deste blogue, decisivamente não queria entrar por este campo, pois a fofoquice interessa-me cada vez menos, mas instaram-me a que o fizesse. Tenho muito mais para dizer e com provas irrefutáveis e nomes, mas, por favor, não me tentem. Francamente, não quero.
Sem comentários:
Enviar um comentário