quarta-feira, junho 23, 2010

Ainda a propósito de José Saramago -
De Toronto, recebemos uma "Carta do Canadá" subscrita pela conhecida jornalista e intelectual da nossa praça, Fernanda Leitão  que foi directora de "O Templário" de Tomar e assumiu posições frontais e desassombradas contra o esquerdismo reinante em Portugal, designadamente durante o PREC,  o que a forçou a emigrar para o outro lado do Atlântico, onde continua a colaborar em vários órgãos de imprensa e na internet.
Garanto-vos que vale a pena perdemos 5 minutos com esta leitura.
Com a devida vénia e respeitando os direitos da autora, transcrevemos a dita missiva.




CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão

UM ADEUS VERMELHO


            A Câmara de Lisboa e o Cemitério do Alto de São João somaram centenas largas de  pessoas. Muitas delas seguravam molhadas de cravos, que distribuiam, e bandeiras vermelhas de foice e martelo. Muitas pessoas eram operários e camponeses, e várias exibiam sinais exteriores de fidelidade ao seu partido. Punhos fechados se ergueram entre palavras de ordem quando, qual Passionaria pós-Muro de Berlim, a sevilhana Pilar assomou à varanda do município para lançar cravos vermelhos e agradecer à multidão.  Todas estas imagens de força diluiam os discursos de circunstância e as  (não muitas) presenças do meio literário, artístico e político.. Na hora última da cremação, que é quando mais pesa o silêncio do triste barro que somos, a multidão cerrou fileiras e punhos, gritou slogans que todos conhecemos desde 1974.  Jerónimo Sousa, embora desgostoso, não escondeu o contentamento  pelo que os seus olhos viam e os seus ouvidos ouviam. Com razão, porque foi uma bonita e estupenda manifestação comunista. Tudo ali esteve certo.
            O que não esteve certo foi o exagero de uma comunicação social que anda na mais completa deriva ética e profissional. Repetiu até à náusesa que Saramago tinha sido um combatente pela liberdade, a democracia e os Direitos do Homem. Isso não é verdade, não podia sê-lo, precisamente porque o escritor era militante de um partido estalinista que, depois das purgas selvagens levadas a cabo de 1917 aos anos trinta, uma das quais foi a morte pela fome de dezenas de milhar de ucranianos, aproveitou o termo da Segunda Guerra Mundial para invadir, a ferro e fogo, vários países. Impôs à Rússia e  aos seus satélites uma ditadura brutal, sanguinária, criminosa, sem o mais leve resquício de liberdade e de respeito pelos direitos da pessoa humana.  Foram setenta anos de escravatura inominável para milhões de pessoas. Saramago foi um fiel estalinista ao serviço de um partido que, após 1974, destruíu de forma irremediável grande parte do tecido económico e financeiro do país, saneou de forma selvagem milhares de pessoas, tentou espezinhar a alma portuguesa no mais fundo da sua tradição, ajudou de forma criminosa àquilo que alguém chamou de “descolonização exemplar” e perseguiu de forma boçal muitos patriotas.  José Saramago cultivou a censura, de forma triunfante, ao lançar ao desemprego 24 jornalistas apenas por não serem comunistas,  mandou retirar o nome da escritora Isabel da Nóbrega das dedicatórias dos livros publicados durante os 20 anos  que passou a seu lado, anos que foram de apoio incondicional, de lealdade total, a um homem de situação precária e incerta. Em contrapartida, cultivou as suas relações de amizade e entendimento com a ditadura de Cuba, esse outro crime do comunismo de par com a China, o Vietnam do Norte  e a Coreia do Norte.  Mas ele mesmo, que foi perseguido pelo salazarismo, como milhões de outros portugueses, nunca viu os seus livros censurados ou vetados neste regime.  Viu ser-lhe recusado o acesso a um prémio pelo então subsecretário da Cultura, António de Sousa Lara, por considerar este que o escritor insultava, de forma soez e brutal, os crentes, e que estes eram a maioria do país.
Era verdade.  É oportuno sublinhar que, no meio da hipocrisia demagógica exibida neste funeral,  Sousa Lara, ao ser abordado por uma estação de TV, não foi cobarde nem teve duas caras: afirmou, de forma clara, que voltaria a fazer o que fez e agora com dobrada razão porque ao Evangelho Segundo Jesus Cristo se seguiu o Caim e as declarações  de uma singular deselegância, uma das quais foi  “a Bíblia é um manual de maus costumes”.
            José Saramago desrespeitou uma grande parte da população portuguesa e fê-lo de forma sobranceira, arrogante e agressiva.  Mas já respondeu perante Deus. A nós incumbe ter pena dele e não consentirmos que a oportuna falta de memória, de mistura com muita ignorância e má fé, tentem mentir ao país.
            Se o Nobel foi mal atribuido neste caso, como já o foi dezenas de vezes, ou se as cinzas  do escritor vão para o Panteão, isso dependeu e depende apenas dos grupos de pressão e de interesses que se movem nesta República e em algumas internacionais.   Uma coisa é certa: o tempo é o grande mestre. Só ele nos dirá se este é um escritor imortal.  Ninguém é obrigado a assinar de cruz ou a viver em rebanho. Vivemos em democracia."


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