A crise iminente do dólar norte-americano 2/2
O problema de fundo
Nas últimas décadas, os EUA beneficiaram de uma posição histórica única. Como nação dominante, num mundo unipolar, crescentemente globalizado, a respectiva moeda – o dólar – é muito procurada como valor refúgio. Por outras palavras, os investidores e os bancos centrais dos outros países procuram alternativas às suas próprias moedas, presumivelmente menos estáveis e mais débeis. Este apetite insaciável pelo dólar à escala planetária deu de mão beijada aos governantes e aos consumidores norte-americanos um cartão de crédito praticamente sem limite, de que têm usufruído largamente nas última duas décadas.
Consequentemente, hoje, os EUA são a nação do globo mais endividada e a expansão económica corrente só é possível porque o Japão, a China e a Europa estão dispostos a financiar o défice comercial norte-americano, concedendo efectivamente cerca de 800 mil milhões de dólares anualmente. Isso processa-se através dos dólares com que os cidadãos estado-unidenses adquirem Toyotas, perfumes franceses e gadgets electrónicos “made in China” e os utilizam para comprar obrigações do tesouro dos EUA e outros produtos financeiros norte-americanos.
Em suma, para que as coisas fiquem claras a dívida dos Estados Unidos ascende a 60 biliões de dólares ou 800.000 por cada família de 4 pessoas, um fardo claramente insustentável. Quando os parceiros comerciais dos EUA constatarem que Washington se encontra numa situação real de insolvência (o que no meu entender, é, de facto, iminente – só não vê quem não quer ver), deixarão de lhe emprestar dinheiro (por outras palavras, utilizarão os seus dólares para comprar euros, ienes, francos suíços ou ouro em vez de obrigações do tesouro norte-americano) e o valor do dólar vem por aí abaixo. O processo, com efeito já começou, com a marcada rarefacção da procura por dólares, o que se traduziu numa redução do valor do dólar em relação a um cabaz das principais moedas em mais de um terço, na última década. Mas isto é apenas o começo. O dólar deteve durante décadas o monopólio incontestado da moeda do comércio internacional. Hoje uma parte considerável das transacções são já estipuladas em euros, ienes e francos suíços. Os sinais de mudança vêm-nos, precisamente, na China, Médio Oriente e países da OPEP, tradicionais detentores de dólares. Com efeito, a posição dominante está a ser atacada, especialmente, no cenário pós-2008 (crise do subprime)
Mas o que é que sucederá realmente quando o dólar colapsar?
O cenário será globalmente negativo. Quando os investidores estrangeiros e os bancos centrais deixarem de querer dólares, os preços das obrigações do tesouro cairão, que é, no fundo uma outra forma de dizer que os juros dos EUA irão subir. As taxas de juro para as hipotecas e para o crédito ao consumo crescerão exponencialmente, forçando a economia norte-americana a entrar em recessão. O Governo dos EUA reagirá abrindo a comporta monetária, imprimindo irrestritamente papel moeda à medida das necessidades para evitar que a sua economia entre em colapso total. Este disparar do aumento dos fundos monetários artificialmente disponíveis, por acção politica deliberada, vai atirar o dólar ao tapete e os preços deixarão de ter qualquer controlo. Nesta ordem de ideias, as poupanças dos cidadãos comuns deixarão de possuir qualquer valor, bem como os títulos, fundos e outros produtos financeiros que eventualmente disponham. Por outras palavras, o dinheiro deixará de ter valor, com o consequente vendaval de falências que se avizinha. Os problemas sociais serão bem entendidos incomensuráveis e sem qualquer solução viável à vista
Depois a “doença do dólar” tornar-se-á global e é inevitável que isso assim aconteça. Vivemos numa economia global e ninguém conseguirá evitar o contágio. O actual crescimento anémico da Europa e do Japão, ou mais sólido da China e dos demais BRICs, só tem sido possível pela disponibilidade dos consumidores norte-americanos em comprarem Suzukis, Mercedes, brinquedos e DVDs chineses. O rápido afundamento do dólar será acompanhado por uma valorização acentuada das moedas europeias e asiáticas tornando os respectivos produtos incomportáveis para as bolsas norte-americanas que reagirão por comprar produtos alternativos nos EUA (se é que ainda existem...) ou, pura e simplesmente, por não comprar nada. Ao interpretarem correctamente esta mudança estrutural nos padrões de aquisição dos EUA como constituindo uma ameaça aos sectores vitais de exportação, os líderes europeus e asiáticos responderão com a única arma que têm à sua disposição: a inflação monetária. Reduzirão drasticamente as taxas de juro e comprarão dólares com as suas moedas, inundando o mundo com euros, ienes e yuans, tal como hoje os EUA inundam o globo com dólares. O resultado destas “desvalorizações competitivas” constituirá numa espiral de morte para as chamadas divisas fortes, em que as obrigações europeias e asiáticas terão o mesmo destino das obrigações dos EUA.
O tsunami está pois à porta.
Recomendo a leitura dos meus posts anteriores.
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