Pré-crise, crise e pós-crise
A crise económica e financeira global com que o mundo se confronta de há dois anos a esta parte marca o fim da ordem planetária estabelecida desde 1945. Em 1989, o “pilar soviético” colapsou e agora assistimos à decomposição acelerada do “pilar occidental” com os Estados Unidos bem no núcleo central do processo de desintegração e a Europa já numa fase adiantada do mesmo, condenada que foi à marginalização e à irrelevância, há algum tempo, em grande parte por culpa própria e em parte também por culpa alheia.
Durante duas décadas vivemos o mito do alegado “fim da história”, em que os nossos ideário, cultura e civilização ocidentais seriam impostos à escala universal. Essa quimera, inventada por Francis Fukuyama, foi-nos extremamente prejudicial porque nos levou por caminhos ínvios e, sobretudo, à convicção de que essa fantasia era uma verdade absoluta e irrefutável. Com efeito, seria quase impossível imaginar um “mundo pós-crise” cujas tendências não fossem definidas em Washington ou em Wall Street, que o adjectivo “anglo-americano” não fosse sinónimo de “moderno” ou que o dólar não fosse senhor e rei.
Tal como na Europa Oriental, antes de 1989 – a situação actual não difere da verificada nessa altura e nesse espaço - , nem os nossos meios de comunicação social, nem os nosso líderes políticos foram capazes de nos “fazer imaginar o inimaginável”, porque estão demasiado concentrados no curto prazo, demasiado preocupados em fazer-nos “esquecer o inesquecível”, designadamente as consequências sócio-económicas da crise através do mundo e, antes do mais, dentro das nossas próprias fronteiras. Esta rejeição da futurologia, mesmo a mais evidente, esta falta de antecipação, esta incapacidade real de previsão da nossa débil liderança e das nossas elites decadentes e provincianas, impede-nos lamentavelmente de ver o que nos espera no horizonte não muito longínquo de 2020. A verdade é que ninguém se preocupou com o longo prazo, nem sequer com o médio.
Que conflitos é que o “mundo pós-crise” nos reserva? Como é que nos devemos preparar para as turbulências monetárias e económicas dos próximos anos? Como é que podemos adaptar-nos à nova situação como europeus ou como norte-americanos? Antes do mais, como vamos interagir com os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) e as demais potências emergentes? Quais serão as novas regras do jogo? Que dificuldades e obstáculos se deparam a esses países na sua ascensão à primeira linha? Como é que os nossos filhos e netos se vão posicionar para enfrentar os desafios do “mundo pós-crise”, como cidadãos e como profissionais?
Estas são algumas das muitas perguntas que podemos e devemos formular aos nossos dirigentes, intelligentsia e media porque requerem reflexão e, consequentemente, acção, quer a nível individual, quer colectivo. Porque a presente crise económico-financeira, política, cultural e de valores morais, que estamos a viver, consiste não só no termo definitivo de um “mundo pré-crise”, mas, principalmente, o dealbar da construção de um “mundo pós-crise”, por conseguinte uma baliza histórica, que se situa, grosso modo, entre 2010 e 2014, para dar lugar a uma nova situação, a partir de 2015. Consequentemente, o período de transição em que nos encontramos corresponde a uma fase terminal, na perspectiva do advento da nova era que se lhe seguirá. Temos de ter pistas e orientações para seguir em frente e não podemos cometer demasiados erros, temos igualmente de enfrentar os desafios e de não desperdiçar as oportunidades que se nos apresentam.
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