Wikileaks – the morning after
A revelação dos telegramas de e para as embaixadas dos EUA, documentos classificados, alguns altamente reservados, constitui obviamente um grande “furo” jornalístico. O maior “furo” de que há memória, uma vez que toda a documentação é publicamente divulgada e aparece nua e crua, não necessitando sequer de grande tratamento. Todavia, trata-se de um produto roubado, por conseguinte, suscitam-se, a justo título, questões deontológicas aos grandes órgãos de informação ditos de referência e, além disso, representativos das principais línguas ocidentais como “Le Monde”, The Guardian”, “The New York Times”, “Der Spiegel” e “El Pais”. Antes de se tornar público, o produto foi pago e bem pago e nenhum dos órgãos de informação revelou quanto pagou por ele. Aqui estamos perante um segredo jornalístico que ninguém ousa revelar. Aliás, se atentarmos no desfasamento entre as revelações públicas, através da net, e nas divulgações naqueles media, estes antecedem sempre o que veio a ser difundido urbi et orbe depois. Bastava que o “Guardian” ou o “Le Monde”, por exemplo nos explicassem. Mas, não, remetem-se a um prudentíssmo silêncio. Os dados do problema são estes: estamos a aproveitar-nos de um produto roubado, que sabemos que é roubado e que por isso mesmo pagámos um bom preço por ele, mas vamos lucrar muito com isto, porque o filão é inesgotável.
Como é que surge o problema? Surge na sequência do 11 de Setembro e da necessidade absoluta em coordenar o fluxo de informação das múltiplas agências de informação dos EUA que funcionavam em compartimentos estanques e que, objectivamente, impediram a prevenção dos atentados. Tenha-se em atenção a incomunicabilidade existente entre o FBI, a CIA, a NSA, a intel militar norte-americana e o Departamento de Estado, aliás relevada a justo título pela comissão de inquérito ao 11 de Setembro. Porém, o estabelecimento de um sistema de vasos comunicantes torna-o vulnerável, como os factos acabam de demonstrar de modo eloquente. Logo, vamos assistir, no imediato a novas medidas de segurança em termos das comunicações e, concomitantemente, a uma restrição do fluxo dos dados disponíveis e do acesso individual aos mesmos.
Não obstante o que precede, registe-se que a maior parte dos dados de intel são públicos, ou seja 90% ou circulam na net ou são divulgados pelas agências noticiosas, jornais, revistas, tv e rádio. As chamadas OSINT (Open Sources of Intelligence) são hoje uma realidade. Os 10% (ou menos) que faltam e a análise de informação (ou seja, a combinação das Opens sources com as secluded sources e a visão própria que se pode ter sobre a matéria, em função dos interesses nacionais e da politica prosseguida pelos Estados) é que constituem, realmente, o pequeno reduto de intelligence relevante com real valor acrescentado.
Noutra tónica, a defesa da liberdade de expressão não pode pôr em causa interesses estratégicos vitais dos estados e suscitar problemas e “irritantes” nas relações multi e bilaterais, cuja gravidade dispensa quaisquer comentários adicionais. Acresce que as “fugas” através do Wikileaks têm implicações sérias em termos de intelligence sharing. Como é que iremos lidar com os EUA, em matérias sensíveis sabendo que as paredes são de vidro e as portas estão escancaradas?
Por outro lado, poderá a liberdade de expressão ser irrestrita? Por outro ainda, como conciliar a liberdade de expressão com o comércio de produtos roubados , como é o caso?
Nota final: há dias, a prestação televisiva do embaixador Tanger Correia, na SIC Notícias defendendo a liberdade de informação sem quaisquer baias, mesmo a mais reservada, no estilo confessionário aberto e com altifalante acoplado, talvez não seja a solução mais adequada. A propósito, ele é embaixador exactamente onde?
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