quinta-feira, novembro 18, 2010

Quo Vadis Portugal? (III de muitas e variadas partes)


José António Saraiva, Director do semanário “Sol” escreveu, creio que no Verão deste ano, não me recordo exactamente quando, um editorial intitulado “Crise Nacional” em que se referia, numa análise certeira, aos factores domésticos e externos que conduziram à presente crise. No que toca à crise nacional aponta 3 factores irreversíveis: (i) o fim do império; (ii) a passagem da ditadura à democracia e (iii) a entrada na U.E. Quanto à questão mais vasta da crise internacional, afirma que decorre, no essencial, da globalização do capitalismo.
A meu ver Saraiva esqueceu-se de mencionar três outros factores de ordem interna, esses, sim, reversíveis (todavia, dificilmente reversíveis) na medida em que tocam nas profundezas do nosso subconsciente colectivo e estão totalmente arreigados na mentalidade lusitana: a recusa permanente de aggiornamento, o problema da ética (ou falta dela) e o desinteresse pelo que realmente importa.
Meia dúzia de  exemplos simples, para  passarmos, em futuros posts, à análise dos factores ditos irreversíveis:
-       Recusa de aggiornamento: Se nos voltarmos para um agricultor e lhe dissermos que tem de arrancar as couves ou as batatas para aí plantar kiwis ou toranjas que estão em grande procura nos mercados nacional e internacional e que são uma fonte de rendimento com um potencial insuspeitado sempre em crescendo, ele recusa dizendo que já o seu pai plantava couves e batatas, que o seu avô idem, idem, aspas, aspas, que o seu primo, cunhados e por aí fora, caso ainda estejam na Santa Terrinha, fizeram sempre a mesma coisa. Se num serviço público, a nível decisório, bem entendido, tentarmos inovar com novas práticas, por exemplo, a nova configuração de um memorando com um sumário executivo,  um plano operacional  e um fluxograma de execução, a resposta é sempre esta: “Mas sempre se fez de outra maneira. Lá vem o senhor com essas esquisitces.” Na primeira semana, só para agradar fingem que  aceitam o novo padrão, para depois voltar tudo à mesma. Em todos os sectores da vida portuguesa a recusa de aggiornamento é permanente, constante, sufocante.
-       A falta de ética: falamos, por exemplo, em corrupção e conformamo-nos dizendo que sempre existiu e que ninguém lhe consegue pôr termo, mas ficamos condoídos quando alguém com largas culpas no cartório apanha uma pesada pena. “Coitado! 10 anos de cadeia? Foi demais. Ele até é um homem simpático, além disso é doente e a mulher tem um cancro. Coitadita,  está a morrer.” Faduncho e mais faduncho, nisso somos bons, mas o fado não tem qualquer interesse musical, nem sequer poético e não passa além fronteiras. Elegemos para cargos públicos conhecidos, contumazes e reiterados vigaristas de que Isaltino, Fátima Felgueiras e Ferreira Torres são apenas três exemplos numa miríade de casos. Permitimos alegremente disparidades salariais injustas, brutais, avassaladoras, sem qualquer justificação. Não protestamos, porque o Zé Tuga, sempre comeu e calou. Ninguém se insurge. Com mais facilidade se protesta contra um penálti invisível no Porto-Sporting do que com o salário obsceno do brasileiro da TAP, pago pelo Pagode. Há todo um problema de educação e isto começa bem cedo, desde o berço. Numa fila de um serviço público o pai diz para o filho: “Oh, Carlos mete-te aí à frente que, agora, não há ninguém a ver.” Assim se educam as criancinhas. Admitimos como candidato a Presidente da República um homem como Manuel Alegre, cujo passado em Argel, aos microfones da Rádio Portugal Livre é bem conhecido e que afirma ter feito a sua iniciação sexual com as sopeiras lá de casa. Está tudo dito! Além disso, esse senhor beneficia do apoio do maior partido português. Dói-nos a alma. Isto é Portugal no seu esplendor ou o esplendor de Portugal.
-       O desinteresse pelo que realmente importa: o português vibra com o acessório e está desatento quando não repudia o essencial. O futebol, o gordalhufo do “Preço certo”, a telenovela, a praia no Verão (com a água gelada) ou o passear no Shopping em fato de treino no Inverno, isso é que é importante. "Nã... Não me lixem com o resto que não quero saber!" Com efeito, desde que se tenha a barriga cheia e se viva distraído, o resto é cumbersa. Panes et circenses! “Eh, pá, eu quero é que estes gajos todos se lixem!” Mas estarás tu disposto a lixá-los, pedaço de asno?

Apesar de serem características estruturais, são alteráveis, tarefa ingente, mas extremamente complexa, que implica tempo, suor e lágrimas (desculpem a incursão chuchilliana...).


A grande questão consiste, pois, em levar a cabo uma revolução de mentalidades.

A série continua, obviamente.

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