Quo vadis Portugal? (parte V de muitas e tantas partes que já lhes perdi a conta)
De/acerca da grande crise de globalização do capitalismo 2/2 (Europa e Portugal)
Para além de ter deixado de ser um centro decisório do poder financeiro e de ter posto fim (ou quase) ao “sonho europeu” (portanto, ao Estado social), a Europa deixou-se dominar pelo ideário dominante alemão em matéria económico-financeira que aliado ao neo-liberalismo introduziu um conjunto de elementos novos e perniciosos com os quais os europeus têm hoje de viver.
A crise que enfrentamos desde 2007-2008 (com efeito, podemos situá-la antes do meltdown, em que este é apenas uma consequência do que estava já a ser cozinhado a lume brando) é, sem dúvida alguma, uma crise mundial derivada da globalização do capitalismo. Todavia, como já o referimos em post anterior, a crise traduziu-se para a Europa no fim do modelo social, que, a bem dizer, constituiu uma excepção invulgar, uma verdadeira raridade, em toda a História da Humanidade. Registe-se que o modelo foi engendrado num momento anterior, mas depois verdadeiramente criado e aperfeiçoado no decurso das trente glorieuses, ou seja, o Estado Social só foi possível, com base num crescimento consistente da economia a 5% ao ano, como ocorreu no decurso desse período. Esse crescimento, indispensável para a vida do projecto europeu, é posto em causa, essencialmente, pela globalização. A Europa não cresce, ou quando cresce fá-lo de forma timorata, o resto do mundo (leia-se as grandes e médias economias emergentes) sim. Logo, a Europa tem de se adaptar porque os dados da equação são irreversíveis. Outros factores entrariam em linha de conta, como o demográfico, os fluxos migratórios, a própria cultura, etc.
A globalização é sempre apresentada acrítica e acefalamente como um bem, muito embora ninguém saiba explicar porquê ou a explicação é claramente insuficiente. Raros põem em causa o fenómeno da globalização. E quem o faz é acusado de conservadorismo, de proteccionismo e de outros “ismos”, menos simpáticos. O que interessa é comércio e mais comércio, fronteiras abertas, sem entraves alfandegários ou de qualquer outra natureza. Isso é que é bom. O desenvolvimento assenta, no essencial, nisto. “Free trade” era - e é - a palavra de ordem, poucos falavam em “fair trade”. O Bangla Desh, por exemplo, precisava de se desenvolver, pouco importava que as criancinhas andassem a dar pontapés nas máquinas 18 horas por dia, que não se respeitassem os direitos humanos, as regras da OIT, as questões basilares de higiene e de saúde pública ou qualquer regra minimalista de protecção social. Free trade? Free trade, my eye! O sentimento geral – que ainda hoje predomina – e que era a chave do progresso da humanidade resumia-se numa só palavra utilizável em todos os contextos imaginávdeis: desregulamentação. Quem advertia para os riscos de tudo isto era de imediato acusado de “profeta da desgraça” e de “reaccionário” (no sentido que deram ao termo).
Entretanto, a Europa cria mais um mito que não resolve nada, nem prova coisa alguma: o Euro. Trata-se de uma moeda baseada no marco alemão e que segue exactamente os mesmos critérios. Logo, a Europa tinha de submeter-se ao diktat germânico, até porque sem a Alemanha não haveria Euro (verdade de La Palice). Todos teriam de seguir os chamados critérios de convergência, através dos Pactos de Estabilidade e Crescimento. Tudo isto cozinhado em Berlim ou em Frankfurt, sem quaisquer temperos de fora, porque podiam ser gastronomicamente incorrectos. Seria o Euro necessário? Mais um mito. Era necessário, ninguém sabia explicar porquê, esgrimindo-se apenas o estafado argumento da unidade e coesão europeias, de utilização, no contexto em apreço, mais do que duvidosa. Misturavam-se alhos com bugalhos. Mas era assim e ninguém contestava.
Com a adopção do Euro, voluntariamente, vários países europeus abandonavam uma parcela importante da sua soberania para a entregarem de mão beijada à Alemanha.
Esta sentiu-se, muito naturalmente, dona e senhora da situação, mas debatendo-se, porém, com dois problemas graves e interligados: (i) uma questão de constitucionalidade (o Tribunal Constitucional germânico levantou, como se sabe fundadas dúvidas quanto à ratificação do Tratado de Lisboa e a uma maior integração europeia, mais o TL traçaria, no fundo, a fronteira em matéria de união europeia, não se podendo avançar nem mais um milímetro) e (ii) uma opinião pública hostil, porque a Alemanha não está para pagar com os seus impostos o alegado regabofe dos outros.
Entretanto, por efeito da crise, por pura irresponsabilidade ou por ambos os factores, alguns governos deixaram derrapar as respectivas contas públicas atingindo patamares insustentáveis. Resumindo telegraficamente: a Grécia por aldrabice na contabilidade e por endividamento excessivo; a Irlanda por disfunções graves e sistémicas da banca, aliadas a uma “bolha” imobiliária de grandes proporções; a Espanha, por desemprego galopante, crescimento anémico e também “bolha” imobiliária e Portugal por endividamento público incontrolado, crescimento mais do que anémico e todos os outros factores conhecidos que de uma maneira ou de outra acabam por pesar na balança.
Para os investidores e para as agências de “rating”, apesar das diferenças, todos os PIGS estão mal. É igual ao litro. Logo, muito democraticamente tratam-se todos, mais ou menos, por igual, o que é uma simplificação abusiva e injusta, mas não se pode fugir a isto.
Depois a Alemanha quis assustar o pagode, dizendo que os investidores tinham de ser responsabilizados e tinham de pagar a crise. A ideia, por ora, não vingou, mas fará o seu caminho, até porque Merkel falou para o eleitorado alemão e não para a plateia mundial.
A machadada final ao Euro não será dada por nenhum dos leitõezinhos, obrigados a sair da pocilga, mas pela própria Alemanha que presumivelmente vai decidir ela própria, a prazo, abandonar o barco. Em termos estratégicos, para Berlim fará mas sentido uma aliança mais a Leste do que esta para o Ocidente e para o Sul.
A ver vamos.
Para Portugal, teríamos ficado melhor fora do Euro? Talvez. Pelo menos podíamos manipular a moeda e ser mais competitivos. Mas na História os “ses” não têm lugar. As coisas são como são, não há volta a dar-lhe.
Muitos temas ficaram por tratar e mais ainda por esclarecer.
Voltaremos ao assunto.
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