sábado, novembro 20, 2010

Quo vadis Portugal? (parte IV de muitas variadas, interessantes e conturbadas partes)



De/acerca da grande crise de globalização do capitalismo 1/2 

J. A. Saraiva não se refere ao meltdown (ou seja, à fusão) de 2008 provocada pela crise do subprime. Presumivelmente, subentende-a por ser tão evidente e notória. Mas convinha que a questão fosse minimamente explicada, quer em termos do que sucedeu imediatamente nos mercados – a “grande turbulência” - , quer, principalmente em termos de futuro, a médio e longo prazos.  Por outro lado, haveria que sopesar o respectivo impacto em Portugal. Um tema de grande relevância  que os analistas, especialmente os “caseiros”, nunca abordaram de uma forma séria e consequente.
Uma das  questões pertinentes que  se levantam é o de saber a duração da crise que, sem prejuízo das medidas tomadas acto contínuo pelos EUA, pela Europa e pelo resto do mundo, parece estar para ficar, ou antes que os seus efeitos são mais duradouros do que parecia à primeira vista. É preciso não  nos esquecermos que quando do “krach” de 1929, a recuperação total só se deu em 1954 (25 anos depois de ter eclodido e  9 anos após o termo da II Guerra Mundial).
No combate ao meltdown uns são salvos e outros não, sem se atinarem com as razões para uma tal discriminação. Não se podia acudir a todos os focos de incêndio? Com certeza que não. Mas porque deixaram afundar a Lehman Brothers? Por ser um banco de investimento? Porque vendia produtos  financeiros tóxicos? Então os outros não o faziam? Porque foram vendidos ao desbarato o Bear Stearns e o Merrill Lynch? Porque é que  bancos de investimento como o Goldman Sachs e o Morgan Stanley (friso bem de investimento) passaram a bancos comerciais? E Fannie Mae e Freddie Mac que não estouram com o rebentar da bolha imobiliária (bom, se estourassem, a América entraria em colapso) e são salvos in extremis pelo Governo Federal (até porque dependiam de Washington)?
Depois, bom, depois surge o magno problema da previsibilidade da crise ou sua imprevisibilidade, tanto faz. Esses sábios das agências de rating não previram nada, mesmo nada? Mas espantem-se, ó gentes,  continuavam, com ameaça de crise, com crise ou sem ela, a dar classificações de 3 AA a títulos de lixo, a produtos tóxicos e às instituições que os emitiam? Questionados diziam: “Bom, estávamos apenas a emitir uma opinião. Cada um é livre de a seguir ou não”. Por outras palavras, limpavam as mãos como Pôncio Pilatos. É bom ver o filme “Inside Job” de Charles Ferguson, soberbamente narrado por Matt Damon para nos darmos conta destas enormidades todas.
            Acresce que existem fortes indícios de que as agências de rating estavam conluiadas com algumas grandes instituições financeiras e que faziam as suas notações ao gosto do freguês para que este pudesse vender melhor o “lixo” acumulado (CDOs e CDSs). Fatos à medida do cliente, pois então.
O que se percebe no meio desta embrulhada monumental, virtualmente indecifrável é que, em suma, todos os esquemas mafiosos foram possíveis, todas as Donas Brancas emergiram do nada, a corrupção e o conluio promíscuo entre o grande capital, o governo e as universidades foi de tal forma escandaloso que ultrapassou em muito o conceito comum de obscenidade.
Mas, na ânsia de tudo, desregulamentar, de acabar com todas as barreiras legais, com toda e qualquer interferência estatal,  acabaram por deixar andar tudo á solta – a balda mais completa e desbragada - e o resultado viu-se. O Estado tinha e tem de intervir para pôr ordem na casa. Era e é essa a sua função: árbitro e polícia. Essa gente não é, nem nunca foi, de confiança e tem de ter a rédea curta. É público e notório   que muitos ganharam, individualmente (friso bem)  centenas de milhões com a crise, mas muitos mais ficaram na miséria. O Estado não pode nunca demitir-se das suas funções e assobiar para o lado como se nada fosse.
Podemos argumentar - e com razão - que o Estado não deve fazer voar aviões, andar os comboios ou administrar os hospitais, mas tem de deter sempre um poder interventório, através dos bancos centrais (para isso é que eles existem), na banca e actividades relacionadas. A legislação tem de se restringir ao indispensável, mas deve primar pela clareza, energia,  poder de decisão e  controlo efectivo das actividades bancárias.
O futebol, ou qualquer outro desporto de equipa, tem as suas regras, que até se podem alterar com o tempo e com a experiência adquirida,  os seus árbitros ou juízes da partida que as aplicam e as federações que tudo supervisionam. Que eu saiba, não se joga no tudo ao molhe e fé em Deus. Na banca, por maioria de razão – trata-se de uma actividade hiper-sensível e que afecta  toda a sociedade -, têm de se aplicar critérios em tudo semelhantes.
E o que é que o Estado tem de regulamentar?
(i)            o sistema bancário;
(ii)           os produtos de investimento propriamente ditos;
(iii)         as bonificações dos quadros dirigentes das instituições financeiras.
            É claro que a crise extravasou, disparou em todos os sentidos e tornou-se mundial. Por exemplo, quando a Lehman Brothers vai à falência, encerra os seus escritórios em todo o mundo (Londres, Madrid, Singapura, Hong Kong, etc.)  e arrasta a queda de n outras instituições, à escala planetária, porque vivemos numa economia globalizada. Logo, o meltdown de 2008 é justamente uma crise da economia capitalista globalizada e surge, essencialmente, pela ganância desmedida (que de tão evidente carece de demonstração) que aumentava em progressão geométrica e pela falta de regulamentação, já referenciada.
            Mas, sem embargo de todos os considerando que precedem,  a crise, principalmente para a Europa, tem duas consequências graves:
-       Em primeiro lugar, o nosso continente deixa definitivamente de  ser um centro decisório de poder financeiro, marginaliza-se, permitindo que outros (as economias emergentes, designadamente os BRICs) ocupem o seu lugar;
-       Em segundo lugar, põe, na prática, termo ao Estado Social que levou 30 e tal anos a construir e no qual baseou o “sonho (projecto) europeu”.
As coisas jamais voltarão a ser o que eram.
Voltaremos ao assunto.  

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