quarta-feira, julho 20, 2011


Caderno de Memórias


Li recentemente o "Caderno de Memórias" (Ed. Temas e Debates, Lisboa, 2003) do embaixador José Manuel Villas-Boas.
Vou ser muito crítico.  
A bem dizer, o interesse do livro é quase nulo, com a notável e honrosa excepção da revelação, creio que em primeira mão, das conversações secretas com o PAIGC em Londres, em Março de 1974, que deram em águas de bacalhau, com o advento do 25 de Abril, um mês depois. Não obstante, o autor não revela rigorosamente coisa alguma sobre o conteúdo daquelas - e foram várias horas de diálogo intenso, ao longo de  dois dias - excepto a questão central e esta, sim, da maior relevância: houve de facto uma tentativa in extremis de Marcello Caetano para negociar a independência da Guiné-Bissau a troco de um cessar-fogo.
Regista-se, também, a atitude displicente do chefe da delegação guineense do governo de Madina do Boé, o ‘MNE’ Vítor Saúde Maria, aliás compreensível, pois esperava avistar-se com o seu "homólogo" lusitano e não com um mero emissário, muito embora devidamente mandatado ao mais alto nível. Com efeito, no segundo dia do encontro, Vítor Saúde Maria (que foi Ministro dos Estrangeiros da Guiné-Bissau independente durante largos anos e, posteriormente, Primeiro-Ministro, após o golpe de Estado de Nino Vieira , com quem se incompatibilizou, procurando então refúgio na embaixada portuguesa, onde lhe foi concedido asilo) já não se sentou à mesa das conversações.
Seria do maior interesse conhecerem-se as posições do então governo de Madina do Boé, em relação a um sem-número de assuntos, desde a perspectiva de uma independência próxima à transição de administrações, desde o modus operandi e timing da independência à reconciliação nacional, etc., etc., etc  Villas-Boas foi, para o efeito, um observador privilegiado, um testemunha única, todavia, nestas matérias fica mudo e quedo e certamente possui (ou devia possuir) um registo mínimo do que então foi dito, pois tratou-se de um momento único para a história, apesar de posteriormente abortado por circunstâncias supervenientes imprevisíveis. Por outro lado, se o respectivo mandato era claro - fazendo fé no que escreve - é parco quanto a outras posições do Governo Português que não podia, por certo, ignorar. Desconhecem-se, por exemplo, a fall back position (posição negocial de recuo), as CBM's (Confidence building measures  - medidas geradoras de confiança), eventualmente avançadas e, note-se bem, estas instruções, em matéria tão melindrosa e que envolvia questões vitais para o regime da época, terão sido muito claras e precisas. Neste quadro um tanto decepcionante em termos de "segredos divulgados", ressalva-se a insistência da parte guineense quanto ao calendário da independência, única "inconfidência" que Villas-Boas traz à colação. Convenhamos que é muito pouco.
Os contactos do autor com os dirigentes da Costa do Marfim e da República Centro-Africana, em Dezembro de 1971 e Outubro/Novembro de 1972, respectivamente, possuem um interesse relativo e são bem demonstrativos do interesse - quiçá desespero - do regime da época em sair, de qualquer maneira, do impasse (fatal) em que se encontrava. Villas-Boas passa por tudo isto como cão por vinha vindimada. Já agora, permitam-me um aparte: mais contactos houve noutros pontos do globo, como sabemos, e seria boa altura de os revelar sem complexos. Estou a pensar, por exemplo, nos contactos de Jorge Jardim na África Oriental, para negociar a situação de Moçambique.

Quanto ao resto, o livrinho é uma obra memorialista enfadonha, sem nada de relevante a assinalar em que  Villas-Boas, em estilo blasé,  num típico discurso para iniciados, refere-se à sua carreira, às suas andanças pelos quatro cantos do  mundo e bem entendido às suas origens sociais e regionais. É mais um exercício diante do espelho que vale o que vale. Oh! Vanitas, vanitatum, omnia vanitas ! 
Em suma, se excluirmos a revelação de arromba atrás referenciada, o resto...bom, o resto  não é mais que água chilra...
E mais não digo. Quanto à sua saída, um tanto atabalhoada da África do Sul, seria interessante que Villas-Boas adiantasse uma explicação sobre o assunto.

1 comentário:

Anónimo disse...

Será que Villas-Boas teria mandato amplo para negociar ou as conversas não passaram de apalpadelas de terreno que acabaram com o assassinato a sangue frio dos 3 majores do Spínola quando o PAIGC se apercebeu de que as conversas não levavam a nada?
Isto seria um bom tema para abordares numa futura conferencia na SHIP. Pensa nisso.
Abr. Albino.